29/07/2020
NOTA PÚBLICA SOBRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS(AS) MAGISTRADOS(AS) E MEMBROS(AS) DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A FRENTAS – FRENTE ASSOCIATIVA DA MAGISTRATURA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, constituÃda pelas entidades ao final subscritas, que congregam mais de 40 mil magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público em todo o paÃs, considerando as reiteradas notÃcias de instauração de procedimentos disciplinares em face dos(as) integrantes das carreiras, a partir de limites impostos à liberdade de expressão, vem a público reiterar os princÃpios e as premissas que norteiam a atuação associativa em defesa da democracia e, por extensão, de prerrogativas essenciais à valorização e ao fortalecimento da Magistratura e do Ministério Público nacionais:
1. Em seus arts. 5º, IV e IX, e 220, a Constituição da República assegura a liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e de crÃtica, que, como corolário da cidadania, é ampla e inclui não apenas as informações e opiniões inofensivas, indiferentes ou elogiáveis, mas também, e sobretudo, as que possam causar alguma inquietação ou incômodo, já que a liberdade conforma a opinião pública e é um pilar fundamental da democracia, do controle social das instituições e da correta atuação de seus agentes. Integrar carreiras relevantÃssimas de Estado, na Magistratura e no Ministério Público, não diminui ou elimina a liberdade inerente ao pleno exercÃcio da cidadania.
2. As mÃdias representam, atualmente, dimensão central em todos os segmentos da vida social, propiciando um fluxo inédito de informações e a formação de pensamento crÃtico, bem como estabilizando narrativas sobre fatos e eventos.
3. As instituições, incluindo as do sistema de justiça, devem compreender os novos espaços de interação e interlocução, a todos os(as) cidadãos(ãs) franqueados(as), inclusive avaliando os riscos para a democracia caso dele se distanciem os(as) membros(as) da Magistratura e do Ministério Público, que efetivamente precisam compreender a realidade em que vivem aqueles(as) que suscitarão o exercÃcio de suas atribuições.
4. Os “PrincÃpios de Bangalore de Conduta Judicial” – independência, imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência – arrolados pelo Grupo de Integridade Judicial, constituÃdo no âmbito da Organização das Nações Unidas, são absolutamente compatÃveis com os fundamentos da República Federativa do Brasil, objeto do art. 1º da Constituição, entre os quais ora se destacam a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo polÃtico.
5. Por sua vez, entre os “PrincÃpios Orientadores da Função dos Magistrados do Ministério Público”, aprovados no 8º Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana em 1990, está o reconhecimento do direito de livre expressão do pensamento (Regra 8:“Os membros do Ministério Público têm, como os demais cidadãos, liberdade de expressão, de crença, de associação e de reunião. Têm o direito de tomar parte em debates públicos sobre a lei, a administração da justiça e a promoção da proteção dos direitos do homem”).
6. A denominada integridade judicial, cujo conceito se estende ao Ministério Público, dada a sua essencialidade à administração da Justiça, depende muito claramente da prática construtiva de valores democráticos que devem ser assimilados por todas as instituições e revelam um falso dilema na contraposição dos indigitados princÃpios, inclusive de matriz internacional, à liberdade de expressão de magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público.
7. O pluralismo polÃtico e de ideias fortalece a democracia e não se pode confundir, quanto aos(à s) membros(as) da Magistratura e do Ministério Público, o pensamento crÃtico acerca de fatos e eventos com o engajamento em atividade polÃtico-partidária, este sim objeto de vedação constitucional, que naturalmente não comporta interpretação que lhe amplie demasiadamente o alcance.
8. Magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público estão constitucionalmente autorizados(as) tanto a congregar-se em associações regularmente constituÃdas, que da defesa de seus interesses se encarreguem, quanto ao exercÃcio da docência, como professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), em favor dos(as) quais se deve reconhecer liberdade cientÃfica e de cátedra. É o que se extrai dos arts. 95, parágrafo único, I, 128, § 5º, II, “d”, e 207, todos da Constituição da República.
9. Malfere o princÃpio da isonomia, insculpido no caput do art. 5º da Constituição da República, qualquer tentativa de se impor apenas a professores(as), pesquisadores(as) e doutrinadores(as), que cumulem tais condições à de magistrado(a) ou de membro(a) do Ministério Público, restrições aos(à s) demais não extensÃveis, manifestamente comprometedoras da dignidade da profissão e da excelência no seu desempenho.
10. No que concerne aos(à s) dirigentes das entidades associativas, é imperioso que se garanta a imunidade necessária ao livre exercÃcio do mandato, sem a qual impedidos(as) ficarão de usar a própria voz na defesa impessoal e coletiva dos interesses dos(as) associados(as), a despeito de serem cada vez mais recorrentes as ofensas e ataques infundados, comumente provenientes de quem alega, para justificá-los, exatamente o referido atributo.
11. Nas carreiras públicas, a premissa, pertinente e adequada aos valores democráticos constitucionalmente tutelados, é a da compatibilidade entre a liberdade de expressão e os deveres do cargo, que, em atenção ao princÃpio da reserva legal, necessariamente são fixados em lei e na Constituição. Não é razoável, portanto, que Corregedorias se convertam em meros órgãos censores, utilizando-se indiscriminadamente de instrumentos e procedimentos disciplinares, para, por exemplo, definir parâmetros de utilização de redes sociais.
12. Nada justifica o estabelecimento de restrições por atos normativos e regulamentares genéricos, quando se sabe que possÃveis excessos no exercÃcio do direito de expressão devem ser apurados individualmente, com análise conjuntural mais ampla do rol de deveres do cargo ocupado, das vedações constitucionais e infraconstitucionais aos quais seus(suas) titulares efetivamente estão submetidos(as), do conteúdo do ato impugnado e do contexto em que praticado, com absoluto respeito aos princÃpios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e, se for o caso, da compatibilidade da sanção cabÃvel com a natureza, a extensão e os efeitos da infração.
13. A sistemática abertura de procedimentos disciplinares de ofÃcio, normalmente vinculados à repercussão de opiniões e crÃticas, possui nÃtido propósito intimidador e não se coaduna com a cautela necessária à preservação de direitos e garantias fundamentais dos quais magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público também são titulares. A toda evidência, a ideia de restringir para controlar e intimidar é incompatÃvel com o Estado Democrático de Direito.
14. A FRENTAS, em consonância com os princÃpios e valores constitucionais, convicta de que apenas práticas democráticas poderão legar instituições fortes e efetivamente preparadas para o enfrentamento dos novos tempos e demandas sociais, reafirma o compromisso de defender firme e intransigentemente, por todas as vias e em todos os foros disponÃveis, as prerrogativas dos(as) magistrados(as) e membros(as) do Ministério Público, bem como os direitos e garantias fundamentais inerentes à sua condição de cidadãos(ãs).
BrasÃlia-DF, 29 de julho de 2020.
Manoel Victor Sereni Murrieta
Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp)
Coordenador da FRENTAS
Fábio George Cruz Nóbrega
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)
José Antonio Vieira de Freitas Filho
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)
Trajano Sousa de Melo
Presidente da Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT)
Renata Gil de Alcantara Videira
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Noêmia Aparecida Garcia Porto
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
Eduardo André Brandão de Brito Fernandes
Presidente da Associação dos JuÃzes Federais do Brasil (Ajufe)
José Carlos Couto de Carvalho
Presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM)
MarÃlia Garcia Guedes
1ªVice-Presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal (Amagis- DF)
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