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Número de suicídios cresce e MP encomenda campanha publicitária de prevenção para 2019

16/12/2018

O assessor de um promotor de justiça do Ministério Público do Meio Ambiente em Catalão tirou a própria vida em outubro deste ano. A Polícia Militar encontrou o corpo do servidor na sede do MP ao lado de uma garrafa com um pó branco não identificado. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Catalão foi acionado e um médico constatou o óbito do homem, de 34 anos.

Uma promotora de Justiça do Ministério Público do Acre usou uma arma para atirar na própria cabeça, no apartamento de um condomínio de luxo onde morava em Rio Branco. Nicole Gonzáles Colombo, de 35 anos, ligou para a mãe avisando que iria se matar. A mãe ligou para outro promotor colega da filha, mas ele não conseguiu evitar o ato. Os colegas de Nicole chegaram a entrar no apartamento e a encontraram agonizando devido ao disparo. O Samu do Acre também não conseguiu salvá-la.

Milhares de casos como estes acontecem todos os dias no Brasil. O Ministério da Saúde divulgou dados em setembro deste ano sobre tentativas e óbitos por suicídio no País. A publicação aconteceu no mês de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio, o Setembro Amarelo.

O Ministério Público de Goiás prepara uma campanha publicitária para o primeiro semestre de 2019 a ser veiculada na mídia local. Dois promotores que atuam diretamente com educação e demanda infantojuvenil participam da elaboração das campanhas de prevenção e conscientização do suicídio. As peças publicitárias estão em discussão com produtores de uma agência goiana que doou os trabalhos de produção ao Ministério Público.

A ideia da campanha publicitária ganhou mais força após o Centro de Apoio Operacional de Educação, chefiado pela promotora de Justiça Liana Antunes, receber pedidos de socorro de escolas da região Noroeste da capital sobre casos de automutilação entre seus alunos.

O promotor de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância (CAO Infância), Publius Lentulus Alves da Rocha, conta que as campanhas serão permanentes e sem prazo determinado devido à importância que o tema exige. “O tema é bastante sensível e até a abordagem em uma campanha publicitária precisa ser feita de forma muito profissional a fim de se evitar que a abordagem para inibir o suicídio acabe estimulando o ato. Experiências anteriores demonstram que a abordagem de forma errada pode estimular a automutilação.”

O MP também trabalha um plano contínuo de prevenção. A promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Educação (CAO Educação), Liana Antunes, participa de reuniões semanais com integrantes da rede de apoio ao suicídio, como secretarias estaduais e municipais de Goiânia de Assistência Social, Saúde, Educação e os Centros de Referência em Assistência Social (Cras).

No primeiro momento, a promotora coordena encontros para criar um plano de ação para ajudar os órgãos de governo e as redes públicas e privadas de ensino. “Temos construído esse plano para ajudar estudantes da região noroeste de Goiânia, onde recebemos dois pedidos de ajuda de duas escolas que tiveram casos de automutilação. Esse plano será piloto para ser implementado em outras regiões da capital”, explica Liana.

No entanto, os encontros e a construção deste plano piloto sobrevivem ao período de crise enfrentado pelos governos, com poucos servidores e estrutura física disponível para trabalho. “As pessoas precisam se desdobrar para atender aessa demanda tão delicada”, diz a promotora, que conta que mais reuniões estão marcadas pelo decorrer deste mês.

Para Publius Lentulus, o problema é de grande envergadura e exige uma atuação conjunta com estes órgãos. “O MP está se colocando como maestro deste enfrentamento devido a sua credibilidade na sociedade.”

Após 20 anos de experiência na área de infância, Lentulus diz que o suicídio não é uma situação simples de avaliar. O promotor percebeu rápidas transformações na sociedade ocorridas nos últimos 20 anos que fomentaram o atual quadro de suicídios espalhados pelo Brasil.

“Há um ano tínhamos o problema do jogo Baleia Azul que vitimou muitos jovens. Várias iniciativas começam na internet, que é o grande alto falante para os jogos. Outras mudanças sociais também ocorreram, como transformações nas famílias que deixaram espaço com a falta de afeto e proximidade entre pais e filhos”, sublinha Lentulus.

Na percepção do promotor, existe ligação entre o suicídio infantojuvenil com abuso sexual. “O abuso provoca transformações mentais no ser humano. Esse tipo de conduta gera depressão e ela ainda é o maior móvel para o suicídio.”

Para Liana Antunes, o aumento na estatística pode ser atribuído à situação financeira do Brasil e ao distanciamento no relacionamento interpessoal. “Muitos falam que a internet distanciou as pessoas dos parentes e dos amigos. É uma conjunção de fatores. A sociedade anda estressada e pressionada. Inclusive, os jovens vivem essa pressão dentro de casa por uma ascensão profissional e a falta de dinheiro”.

Suicida tem sensação de poder

“O suicida é antes de tudo um homicida. Ele tem a sensação de ser todo-poderoso contra as leis da sociedade”, afirma o psicanalista Renato Mendonça Lucas. Todos os seres humanos aventam a possibilidade de um suicídio — um sentimento intrínseco à nossa humanidade —, mas as pessoas lidam com as frustrações da vida de forma diferentes.

Renato Lucas explica a raiz de um ato suicida como a última forma de encarar a roda gigante da vida. “A única certeza que nós temos na vida é que vamos morrer. O resto é dúvida. E nesse espaço entre a vida e a morte lidamos com diversas frustrações profissionais, familiares ou amorosas. Os seres humanos vivem para ter momentos de prazer, que para alguns pode significar o conceito de felicidade, e esse prazer não é duradouro ou definitivo. Por exemplo, uma pessoa pode trabalhar para comprar um carro, que é um momento de prazer, mas que depois passa e essa pessoa precisa trabalhar para ter novos momentos de prazer. É cíclico”, destaca Lucas.

O psicanalista acrescenta que o ato de viver é enganar a morte. “A partir do momento que algo nasce um dia, tem que morrer. Quando se está vivendo — e viver é produzir coisas —, você está enganando a morte e jogando para frente um acerto de contas que é a morte. O indivíduo nasce do útero materno, que é individual, e volta para o útero materno da terra, para onde todos vão.”

Um segundo ponto a respeito da morte é que ninguém pode representar a própria morte, cabendo ao ser humano ser expectador dela. Segundo Lucas, não há em nenhum registro histórico do que seja a morte. “Ela é uma experiência que, ao enfrentá-la, não pode ser transformada em conhecimento. Quando uma pessoa morre e conhece a experiência, ela não pode fazer dessa experiência um conhecimento. A morte é sabida como notícia, mas, até então, o ser humano não tem experiência. Na alma do ser humano, existe a sensação de que nunca vamos morrer”, explica o psicanalista.

Outro ponto levantado pelo psicanalista é a agressividade natural do ser humano desde o nascimento. Ele explica que a pessoa tem um arsenal bélico de defesa ou ataque a qualquer estímulo externo. “Essa agressividade, em algum momento, pode se voltar contra o próprio indivíduo. As pessoas aparentemente não entendem, mas essa agressividade é livre e pode se voltar contra a própria pessoa. Ela pode vencer barreiras de autodefesa e se voltar contra o próprio eu.”

“O que faz uma pessoa cometer suicídio ou não?”, questiona o especialista. “O desejo de se aniquilar vem da alma. O desejo inicial é de matar simbolicamente o mundo em que a pessoa está inserida, não necessariamente o próximo.”

O psicanalista traz mais um fator que influencia a decisão. “Primeiro, não existe morte natural. Ela é usada para diferenciar uma morte oriunda de um fator externo para uma morte de autoaniquilamento, que é o suicídio. Existem muitos casos não relatados como suicídios por não ter uma característica tão aparente, mas a pessoa vai se matando aos poucos, que não é chamado de suicídio, mas de tragédia. Por exemplo, alguém que morreu numa briga de trânsito. O que é chamado de suicídio é aquele atentado de uma pessoa contra ela mesma e que não envolve outra pessoa,”

O suicídio não é relacionado à condição de vida de uma pessoa, principalmente ao pertencimento de classe social ou financeira, como ser rica ou pobre. Não existem dados ou indícios que relacionem uma coisa a outra, explica Lucas.

Se assim fosse, poderia ocorrer com mais frequência casos de suicídio entre moradores de rua, presidiários ou pessoas que tenham uma “vida mais difícil”. Tais condições poderiam ser o gatilho.

Renato Lucas conclui afirmando que o suicídio é o único ato em que o ser humano consegue êxito pleno e, por isso, se consuma como uma atitude final do suicida. “Entre as incertezas e frustrações que vivemos, a pessoa que não consegue lidar com elas ou não as aceita chega ao ato final de suicidar-se, sentindo-se todo-poderoso, sobretudo à própria morte.”

Uma pessoa se mata a cada 40 segundos

O escritor americano Andrew Solomon conta, em seu livro “Um Crime da Solidão — Reflexões sobre o Suicídio”, que a automutilação é a décima causa de morte mais comum nos Estados Unidos entre pessoas com mais de dez anos de idade — mais comum que a morte por homicídio, aneurisma ou AIDS.

“Quase meio milhão de americanos são levados para os hospitais todos os anos por tentativa de suicídio. Uma em cada cinco pessoas que sofrem de depressão severa fará essa tentativa; são cerca de 60 tentativas não letais para cada tentativa letal. A taxa de suicídio está subindo, sobretudo entre homens de meia-idade. Essas estatísticas são sempre refeitas, mas seguem iguais, não importa a infindável repetição. O suicídio pode ser uma solução permanente para um problema temporário, mas é uma solução que acena com um crescente poder de sedução”, relata o escritor.

O último relatório divulgado pelo Ministério da Saúde em setembro deste ano aponta que a intoxicação exógena — por meio de fatores externos — é o meio utilizado por mais da metade das tentativas de suicídio notificadas no país.

As mortes por enforcamento representam 60% das notificações e a intoxicação fica com 18% na estatística. Entre 2007 e 2016, foram registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 106.374 óbitos por suicídio. Em 2016, a taxa chegou a 5,8 por 100 mil habitantes, com a notificação de 11.433 mortes por essa causa.

O Ministério da Saúde intensificou os dados sobre as tentativas de suicídio devido à intoxicação externa. Nos últimos 11 anos, 220.045 dos 470.913 registros de intoxicação externa, ou seja, 46,7% foram devido à tentativa de suicídio.

No ano passado, os registros foram cinco vezes maiores do que 2007: 36.279 pessoas tentaram se matar por intoxicação contra. A região Sudeste concentrou quase metade (49%) das notificações, seguida da região Sul, com 25%. O Norte teve o menor índice (2%).

As famílias ainda têm dificuldades de lidar com o suicídio e sentem-se culpadas, o que acaba por gerar casos de subnotificação, explica a promotora do MP-GO Liana Antunes. “Sempre que a questão é levada ao conhecimento da Polícia Civil, as coisas vão aparecendo. Muitas mortes tidas como acidentais foram motivadas por suicídio, como uma pessoa que escorregou e caiu pela janela do prédio e casos de engasgos intencionais.”


Fonte: Jornal Opção - 16/12/2018 

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